sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Saúde da Família: atendimento médico é falho em 80% das cidades


Saúde da Família: atendimento médico é falho em 80% das cidades


FÁBIO VASCONCELLOS(EMAIL·FACEBOOK·TWITTER)
ELENILCE BOTTARI (EMAIL·FACEBOOK·TWITTER)
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Sem tratamento. Hipertensa, Maura (à frente) deixa o posto do PSF em Caxias, onde não consegue medir a pressão
Foto: Marcos Tristão / O Globo
Sem tratamento. Hipertensa, Maura (à frente) deixa o posto do PSF em Caxias, onde não consegue medir a pressão Marcos Tristão / O Globo
RIO — Bicicleta apoiada no muro, um salto, e pronto: Maria Edvirgem, de 56 anos, já está de pé. Bate no portão, chama por alguém, mas ninguém aparece. Decide então espiar por uma abertura na parede do posto de saúde. Só queria saber se estava com pressão alta, mas não encontra médico na unidade de Duque de Caxias, interditada na quarta-feira porque o prédio está comprometido.
— Queria apenas medir a pressão. Agora não sei a quem recorrer — lamenta Maria.
Criado nacionalmente em 1994, o Programa Saúde da Família (PSF), financiado pelo governo federal e pelos municípios, vive uma drama no Rio. Uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) em 88 cidades descobriu que há inúmeros problemas relativos não só à estrutura física dos postos, mas também à de pessoal. Em 80% dos municípios (71), havia casos de médicos que não cumpriam a carga de 40 horas semanais. A situação era pior em 30% das cidades (26), onde sequer existiam esses profissionais. Já em 71% (62), os contratos eram temporários.
A auditoria do TCE foi realizada ao longo de 2011 e deixou de fora Niterói (que tem um modelo de atenção à saúde próprio), São Fidélis e Campos (que ainda estavam iniciando a implantação do programa naquele ano). No caso da capital, a fiscalização do PSF é de responsabilidade do Tribunal de Contas do Município.
Em 2012, o relatório dos técnicos foi aprovado pelo TCE, que recomendou aos municípios que fizessem as mudanças necessárias. Em março, as equipes voltarão às cidades.
— Fizemos a auditoria porque o Estado do Rio tem uma das mais baixas coberturas do PSF no país (44%, na 23ª posição). Vimos alguns postos com bom atendimento, mas outros estavam muito ruins — diz Carlos Leal, da Secretaria de Controle Externo do TCE.
O relatório do tribunal chega a outras conclusões. Em 73 dos municípios (83%), as secretarias de Saúde não tinham elaborado a lista de medicamentos mais usados pela população. Resultado: sem atendimento básico e preventivo, os doentes continuam lotando as emergências. É o caso Maura Nunes, de 47 anos, também moradora de Caxias. Hipertensa, ela já tentou várias vezes medir a pressão no posto do PSF Nelson Chaves de Araújo, mas não consegue atendimento. Na quinta-feira, ele foi à unidade saber o seu peso e foi atendida, mas não havia médico de plantão. No posto de Caxias, além da falta de insumos, os técnicos encontraram um compressor instalado dentro do banheiro dos funcionários.
— A única coisa que a equipe do posto entrega é camisinha. Já tentei várias vezes medir a pressão, mas não consigo, porque só fazem isso três vezes na semana — reclamou Maura.
A auditoria do TCE analisou 59 itens do PSF. As cidades de Natividade e Varre-Sai, no Noroeste do estado, tiveram a pior avaliação, seguidas de Tanguá, na Região Metropolitana, e Queimados, na Baixada.
Problemas em 14 estados
No relatório, constam fotos de armazenamento inadequado de medicamentos, problemas de manutenção das instalações elétricas e hidráulicas, além de infraestrutura precária para receber os doentes. Procurados, os responsáveis pelas secretarias de Saúde não se manifestaram. A prefeitura de Caxias, a única a responder às perguntas do GLOBO, alegou que está tomando providências para reabrir o posto do PSF fechado em outro prédio.
Num posto em São Gonçalo, um funcionário, pedindo anonimato, contou que os médicos continuam sem cumprir a carga horária. Segundo ele, muitos profissionais trabalham apenas duas vezes por semana e, mesmo assim, apenas quatro horas por dia:
— Não só isso. Há oito meses que a distribuição de medicamentos é quase zero. Não recebemos remédios para hipertensos e diabéticos, que são o foco do programa.
Em 2012, O GLOBO mostrou que a precariedade do PSF é comum em outras cidades do país. A reportagem apresentou um levantamento, coordenado pelo Conselho Federal de Medicina, em 43 municípios (de 14 estados) com baixo IDH. O estudo constatou a falta de médicos, de remédios e até mesmo de produtos básicos, como sabonetes e toalhas.
Outro modelo de assistência
A primeira experiência no Brasil aconteceu em Niterói, em 1992, com a implantação do Programa Médico da Família, inspirado no modelo cubano de atenção básica à saúde. Mas foi em 1994 que o governo federal criou o Programa Saúde da Família (PSF), com o objetivo de levar o serviço para os municípios. O programa, que pregava uma mudança no modelo assistencial da época, se transformou em estratégia nacional de governo em 2006.
— O Programa Saúde da Família é uma estratégia nacional que visa à reversão de um modelo em que sempre predominou o atendimento emergencial, na maioria das vezes em grandes hospitais, o que, além de aumentar o risco para a saúde do paciente, é muito mais oneroso para o estado — disse Elyne Engstron, pesquisadora e coordenadora do Programa Territórios Integrados de Atenção à Saúde (Teias), da Escola Nacional de Saúde, da Fiocruz, feito em convênio com a prefeitura do Rio.
Segundo ela, diferentemente do programa cubano, mais centrado no médico, o PSF trabalha com equipes formadas por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários. Ainda de acordo com Elyne, a primeira experiência realizada pela Fiocruz no município começou em Manguinhos, em 2000. Na mesma época, a prefeitura iniciou seu PSF, que hoje tem a parceria da Escola Nacional de Saúde.
— Até 2009, o programa carioca atendia 3% da população. Em três anos, chegou a 40%. O ideal é que alcance pelo menos 70% — diz.
Em 2006, o PSF foi definido pelo governo federal, em portaria, como estratégia prioritária para a atenção básica no país.


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