domingo, 27 de janeiro de 2013

CARLOS CHAGAS;;;; A FALTA QUE VOLTAIRE FAZ


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A FALTA QUE VOLTAIRE FAZ

Por Carlos Chagas


                                     Mal completados vinte anos, chegou a Paris  François Marie Arouet, que  ainda não se assinava Voltaire.  Logo escandalizava a capital francesa com acres comentários a respeito dos costumes e da política.  Naqueles idos, a França era governada por um Regente, Felipe D`Orleans,  tendo em vista a morte de Luis XIV e o fato de que Luis XV, seu bisneto, era ainda uma criança. Cioso das dificuldades que envolviam o tesouro real, o Regente determinou que fosse posta  em leilão metade das cavalariças a seu serviço,  quase mil cavalos. O irreverente jovem escreveu que  melhor faria o governante se tivesse dispensado não a metade, mas a totalidade dos jumentos que povoavam  a corte.
                                     Pouco depois, passeando no Bois de Boulogne, o Regente defrontou-se com o detrator e foi sutil: "Monsieur Arouet, vou proporcionar-lhe uma visão de Paris que o senhor jamais imaginou pudesse existir." E despachou Voltaire para uma cela na Bastilha, onde ele ficou por nove meses. Depois, arrependido, o Regente mandou soltá-lo e, como compensação, deu-lhe uma pensão vitalícia. Por carta, o jovem agradeceu porque sua alimentação estaria garantida até o fim da vida, mas disse ao Regente que não mais se preocupasse com sua hospedagem, que ele  mesmo proveria.  Perdeu a pensão e teve de exilar-se na Inglaterra, para não voltar à Bastilha.
                                     Conta-se essa história não apenas em homenagem ao extraordinário Voltaire, que viveu até quase os noventa anos polemizando e batendo de frente  com o poder e os  poderosos, mas porque, na política brasileira, através da História, sempre encontramos  seus discípulos. Falamos daqueles que não se curvam nem perdem  oportunidade para opor-se aos detentores do poder, mesmo às custas da própria tranquilidade e bem-estar.
                                     Seria perigoso começar a citá-los, sob o risco de graves esquecimentos,  mas do padre Antônio Vieira a Evaristo da Veiga, nos primórdios da nação, até o Barão de Itararé,  Carlos Mariguela, Luis Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Agildo Barata, João Amazonas e mesmo   Carlos Lacerda e Leonel Brizola, nos tempos modernos,  algum erudito poderia dedicar-se à sua exegese. Seria excepcional contribuição apontar quantos se insurgiram contra a prepotência, cada um à sua maneira, tanto faz se pelo humor, pela agressividade, a veemência e até a violência. 
                                       
                                     Todo esse preâmbulo se faz para uma conclusão: no Brasil de hoje desapareceram quase por completo  os  Voltaires caboclos. Usando uma lupa,  pode-se citar os irmãos Millor e Hélio Fernandes.  Porque instalou-se no país uma pasmaceira, de alguns anos para cá, a ponto de transformar até mesmo os líderes do PT em dóceis beneficiários de   pensões concedidas pelo Regente. Não se encontra quem se insurja, ainda que através do humor, contra a verdade absoluta da globalização e do   neoliberalismo que assolam o país e o planeta,  transformando  o cidadão comum  em  mero apêndice dos ditames das elites. Substituíram a liberdade pela competição.    O  trabalho pela prevalência do capital. O livre arbítrio pela acomodação. A independência pela submissão.
                                     Convenhamos, tanto faz se o Regente tenha vindo da realeza ou dos porões. Desde que ele se acomode e  dite as regras dessa nova escravidão, todos o reverenciam.  Uns por interesse, outros por falta de coragem. Voltaire faz falta, como inspiração.

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