segunda-feira, 4 de março de 2013

São Gregório I, Magno – O Papa que tentou fugir do Papado


São Gregório I, Magno – O Papa que tentou fugir do Papado

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S. Gregório, em seu momento Forrest Gump.
E aí gente,
Hoje vamos falar de um dos três únicos papas que ostentam no título a alcunha de “Magno” – os outros são Leão e Nicolau, mais nenhum.
Gregório era um homem excepcional, desses que nascem uma vez a cada 500, mil anos. Sua vida é um caso fabuloso de amor a Deus e à Igreja, e de dedicação integral à causa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
INFÂNCIA E JUVENTUDE
Tudo começou numa rica e abastada casa de um senador romano, de propriedade de seu pai, Gordianus, da família Anicia, onde foi criado com amor e crença cristã por sua mãe, Santa Sílvia. Podemos dizer que a família de Gregório era o que hoje chamaríamos “podre de rica”. E também influente. Entre os antepassados paternos de São Gregório temos, por exemplo, o Imperador Olívio e o Papa São Félix III. Além da mãe, São Gregório tinha duas tias santas, Tarsila e Emiliana. Tá bom ou quer mais?
São Gregório era um moleque superdotado, inteligente ao extremo e, desde muito cedo, dedicou-se aos estudos, se destacando em várias áreas do conhecimento e da ciência. Em suma, um nerd, o Sheldon Cooper do Século VI. Paralelamente, seguindo o exemplo de sua mãe e de suas tias, desenvolveu grande piedade e virtude. Aos 30 anos foi nomeado pretor, o que, em virtude do caos provocado pelas invasões bárbaras, era o equivalente a Prefeito de Roma.
VIDA MONÁSTICA
Mas não era a vida política o destino de Gregório. Ao tomar contato com o modo de vida e a filosofia dos beneditinos, resolveu adentrar a Ordem de São Bento (O.S.B.). Depois que seu pai morreu, Gregório utilizou a herança dos Anicia para construir e aparelhar seis mosteiros na Sicília e mais um em Roma dedicado a Santo André. O resto ele deu aos pobres. E tu aí achando que faz caridade, manganão?
Resolveu dedicar seus dias à oração no recolhimento do mosteiro que ele construiu a partir de 575. Por esta época, aconteceu um grande milagre (sua vida foi cheia deles). Desde jovem, São Gregório sofria de um mal que dava-lhe muita dor de estômago (provavelmente gastrite). Por causa disso, não podia jejuar como seus irmãos. Pela oração e pela fé, ele se viu curado e pôde seguir a rotina de jejuns dos demais beneditinos.
Mas Gregório não podia ser simplesmente deixado na clausura, não era esse seu destino ainda. Foi então que o Papa Bento I resolveu enviá-lo a Constantinopla como apocrisiário, o equivalente a núncio apostólico (uma espécie de embaixador do Vaticano). Mas as regras e o espírito de São Bento estavam com ele onde fosse, e, apesar de suas funções políticas, vivia em Constantinopla como monge.
Era um homem de inteligência incomparável. Para se ter ideia, é um fato que o homem mais inteligente que já caminhou sobre a Terra foi São Tomás de Aquino. E ele considerou que a obra “de Moralia” de São Gregório – comentários morais e místicos do Livro de Jó – encerrava o assunto de forma definitiva.
UM FUGITIVO
procuradoE assim viveu São Gregório até 590 quando,por unanimidade e contra a sua vontade, foi eleito Papa. O fato não parece realmente ser tão grandioso, não é mesmo? Mas observem: São Gregório não era cardeal, não era bispo, não era sequer padre e quebrou a tradição diaconal – ISSO TUDO SEM QUERER, SEM PEDIR, SEM BRIGAR, SEM PUXAR O SACO DE NINGUÉM! São Gregório era apenas UM MONGE.
Gregório nada mais queria do que rezar e escrever seus livros. Estava com muito medo; era um gigante, por certo, mas era um homem frágil e de saúde delicada. Então,pediu ao Imperador que não confirmasse essa eleição. O Imperador o conhecia e, delicadamente, disse que não o faria.
Achando-se indigno de ocupar o trono de Pedro, o santo fugiu de Roma e escondeu-se numa caverna. Só que quando o Espírito Santo chama, meu nego, não tem como correr não (lembram do caso do profeta Jonas?). Seu esconderijo foi denunciado por uma coluna de fogo e seus perseguidores o levaram de volta a Roma. Enfim, ciente de que aquela não era apenas a vontade dos homens mas também a vontade de Deus, Gregório aceitou calçar as sandálias.
SERVO DOS SERVOS DE DEUS
A partir daí, seriam 14 anos de um dos mais incríveis papados da história. Uma das suas primeiras medidas foi cristianizar os pagãos das Ilhas Britânicas. Essa missão coube a Santo Agostinho de Cantuária e a mais 40 monges beneditinos. Os ingratos ingleses devem sua civilização e o fim da idade das trevas a esses bravos heróis de Cristo.
Curiosidade: o termo em inglês “dark age” (idade das trevas), que durante muito tempo designou todo o período medieval, na realidade indica o período entre a saída dos romanos e a restauração da tradição escrita pelos cristãos nas Ilhas Britânicas (o nome “trevas” ajuda a entender o quanto Celtas, Saxões, Pictos e outros tipinhos são “legais” se comparados aos “malditos” cristãos, não é?). Enfim, quem pôs fim à “idade das trevas” foram São Gregório, Santo Agostinho e mais 40 mártires que com a cara e a coragem enfrentaram Saxões fedorentos e Anglos mau-educados. Tanta foi a sua importância que Agostinho tornou-se o primeiro arcebispo de Canterbury, até o hoje o centro cristão da Grã-Bretanha.
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Gregório I enviando S. Agostinho e seus companheiros em missão.
E São Gregório continuava sua labuta, sem nunca esquecer São Bento (em seu dia a dia vestia-se como monge). Detestava ser reverenciado, e tinha sempre com uma atitudehumilde para com todos. Escreveu uma regra pastoral que determinava o comportamento dos bispos; esse livro ainda hoje é um clássico e guia comportamental utilizado em todo o mundo.
Temendo a influência dos leigos no meio eclesiástico, São Gregório tratou de tacá-los porta afora. Roma vivia a mais negra decadência. Era mais decadente que a Pavuna em dia de chuva. Naqueles tempos bicudos, São Gregório usou toda a grana que estava à sua disposição para encher a pança dos pobres da cidade eterna. Não satisfeito, todos os dias ele mesmo convidava doze peregrinos para comer à sua mesa. Um exemplo de homem santo e de verdadeiro cristão. Muitos devem sua vida e descendência a São Gregório. Mais uma vez: “malditos cristãos, legais são os Lombardos e Ostrogodos”!
Uma hagiografia (biografia dos santos) de São Gregório diz que um dos peregrinos que São Gregório atendeu foi o próprio Jesus Cristo, que deve ter vindo conferir in loco as obras de Gregório.
Voltando às façanhas históricas, não só a Inglaterra foi evangelizada graças aos esforços de Gregório, mas também a Espanha visigótica. São Leandro, bispo de Sevilha, era admirado por São Gregório por sua obra evangelizadora. Donatistas (seita que sustentava que a Igreja não devia perdoar e aceitar pecadores) do Norte da África foram intelectualmente massacrados por Gregório, que praticamente jogou uma pá de cal sobre essa heresia. A Córsega e a Sardenha também devem sua evangelização aos beneditinos de Gregório, que levaram a palavra de Deus a esses rincões.
Gregório tinha a preocupação de falar ao povo em sua língua, escrevendo cartas para a orientação dos fiéis de modo que pudessem entender. Ele era também um ferrenho defensor da propriedade privada, ao contrário de alguns padres comunistas de hoje em dia, que ele com certeza já teria excomungado a muito tempo. Em uma ocasião, ele advertiu severamente um eclesiástico que se recusava a reintegrar a posse de uma fazenda ao real proprietário, que lhe tinha sido roubada.
canto_gregorianoTalvez o legado mais popular de São Gregório tenha sido o seuAntifonário, parte de sua proposta de organização da liturgia, queunificou a música de celebraçãoe que tornou-se conhecida comocanto gregoriano. Nessa regulamentação mantém-se o princípio da homofonia e a ausência de acompanhamento musical. Canto gregoriano de verdade é à capela.
Na verdade, as origens mais profundas do cantochão são gregas, um tipo de sistema musical chamado modal. No princípio, era apenas uma forma de determinar uma unanimidade durante as celebrações litúrgicas. Mas foi através do desenvolvimento do canto gregoriano que no século XI o monge Guido D´Arezzo criou a notação musical (Dó, Ré, Mi, Fá…). Mais uma vez: “malditos cristãos”!
Portanto, se você acha que Legião Urbana é música e canto gregoriano é chato, sugiro que passe a prestar mais atenção e a ter mais respeito. As próprias notas utilizadas até os dias de hoje são originadas num cantochão em latim feito em homenagem a São João Batista, padroeiro dos músicos, utilizou-se as primeiras sílabas de cada verso do hino e só a primeira nota “ut”, foi trocada por “dó″.
No Leste os patriarcas de Constantinopla continuavam a fazer suas gracinhas. A mais bonitinha foi a de João IV Neustestes, que se auto-intitulou “Ecumênico”; isso quer dizer mais ou menos para os gregos da época “pai de todos os cristãos”. Ou seja, o tal João queria se igualar ao Papa. Passava o tempo e os constantinopolitanos continuavam a expelir seu complexo de inferioridade para todos os lados. Dando-lhe um tremendo tapa com luva de pelica, São Gregório passou a se denominar “Servo dos Servos de Deus“, título esse que ainda hoje é usado pelos Papas.
Por fim, temos sua atuação junto aos lombardos… São Gregório fez o que dava. Para evitar os massacres, São Gregório pagou um tributo aos bárbaros.
Sabiniano, o animal que sucedeu São Gregório no papado, não era digno de seu legado. Tanto que os pobres, antes amados e acudidos por Gregório, diziam ao déspota que ocupou sua cadeira: “Senhor, que a Sua Santidade não deixe morrer de fome aqueles que nosso pai Gregório tinha o costume de alimentar”.
E depois de um papado de 13 anos, seis meses e dez dias, partiu São Gregório I, um dos maiores e mais inteligentes papas da história.

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