segunda-feira, 25 de março de 2013

ABORTO = UMA VEZ


25/03/2013
 às 16:28

Um artigo sobre aborto na Folha e as escolhas morais. Ou: Dos delitos e das penas

Estou aqui quase comovido! Li na Folha um artigo decente, pautado pela lógica — e seu autor nem chega a dizer o que pensa a respeito — sobre o aborto. Não estou dizendo que a Folha não possa publicar artigos decentes e lógicos. Mas sustento, sim, que, em matéria de aborto, a estupidez costuma se impor porque os autores ficam com medo das evidências. Podem passar por idiotas, por analfabetos matemáticos, por antas lógicas, mas por “reacionários”, ah, isso nunca!!! Em qualquer veículo! Leiam o que escreve nesta segunda Vinicius Motta, na Folha. Volto depois.
Não é legalO Código Penal estabelece pena de 6 a 20 anos de reclusão para o ato de “matar alguém”. Daí não se deduz que o homicídio seja proibido no Brasil. Tanto não é que ocorre às dezenas de milhares todo ano. Nações avançadas conseguem diminuir bastante sua incidência, mas jamais erradicá-lo.
Somos livres até para fazer o mal, eis um fato da nossa condição. A distinção entre criminalizar e proibir pode ser útil para debater assuntos que dividem moralmente a sociedade, como as drogas e o aborto.
Quando a lei fixa penas para o aborto, ressalvando casos de risco de vida para a mãe e de gravidez provocada por estupro, o seu objetivo é refrear a prática. O efeito esperado é menos mulheres recorrendo ao aborto, no cotejo com uma situação hipotética em que ele não fosse crime.
Avaliar a eficácia da lei é um desafio lógico e estatístico, pois jamais saberemos como se comportaria a mesma sociedade, no mesmo tempo histórico, mas sob legislação diversa. Espanta-me, a esse respeito, o argumento usado por grupos a favor da descriminalização, de que fixar penas para o aborto aumenta sua incidência, em franco desacordo com o objetivo da lei.
Um dado muito usado, de artigo na revista “Lancet”, é o fato de haver em geral menos abortos, para cada grupo de mil mulheres em idade fértil, nos países com legislação liberal. Mas isso não indica nada.
Na esmagadora maioria dessas nações, as mulheres têm mais renda e acesso a métodos contraceptivos e menos gestações do que no grupo dos países em que a prática é criminalizada. O estudo não faz essas ponderações estatísticas.
Pouco se destacam, além disso, dados mais difíceis de harmonizar com a hipótese da ineficácia da legislação. De cada 100 gestações no mundo rico, diz a “Lancet”, 26 terminam em aborto, contra 20 nos países em desenvolvimento.
VolteiUm texto sucinto, claro, objetivo. Nem dá para saber se Motta é contra a descriminação ou a favor dela. Dá para perceber que é contra a mentira. “Somos livres até para fazer o mal, eis um fato da nossa condição”, escreve ele. Na mosca! Nenhuma Constituição do mundo proíbe crimes, nem a da Coreia do Norte. Textos constitucionais estabelecem direitos, e os códigos infraconstitucionais definem punições para quem solapar direitos alheios.
As proibições estão em normas que são ainda inferiores, como organizadoras da sociedade, aos códigos legais. Não está em Constituição nenhuma e mesmo em códigos reguladores de dispositivos constitucionais que não se pode tocar em obras expostas em museus. Quem o fizer será advertido. Quem insistir será posto para fora. Guardados os devidos domínios, as sociedades são mais tolerantes com quem mata do que com quem insiste em alisar uma obra de arte. Para o primeiro caso, há uma pena, quase nunca capital. No caso do museu ou de alguém insistir em fumar em local proibido, vai-se além da pena pela transgressão: o sujeito costuma ser expulso do ambiente.
É uma estupidez, uma tontice, uma asnice mesmo, a suposição de que a imposição de penas para determinadas práticas concorre para aumentar a incidência dessa prática. Por que seria assim? Gosto pelo desafio? “Ah, vou praticar aborto só pra driblar a legislação…” Tenham paciência! Fosse assim, a melhor maneira de coibir crimes seria não criminalizar prática nenhuma. Quais seriam, então, os limites?

Portugal e as drogas
A turma que queria (e quer) discriminar as drogas no Brasil vivia usando o exemplo de Portugal: “Naquele país, as drogas foram discriminadas, e caíram o consumo e o tráfico”. Fiquei interessado no assunto. A parte continental de Portugal tem uma costa de 1.230 km apenas e um único vizinho: a Espanha. Banânia tem 9.230 km de Litoral a serem vigiados e faz fronteira com nove países. Quatro deles são produtores de coca: Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia. Os defensores da descriminação das drogas, no entanto, acreditam que Portugal pode servir de exemplo a um gigante com as características do Brasil, com uma população 18 vezes maior, num quadro de brutal desigualdade, desaparelhamento da polícia, fronteiras desguarnecidas…
Mas esse não é o ponto principal. Eu me interessei pelos números de Portugal. Escrevi um post a respeito no dia 25 de agosto do ano passadoOs números fornecidos por um ente estatal favorável à descriminação (é pura ideologia!) demonstram que aconteceu o contrário: com a descriminação, aumentaram consumo e tráfico. E também cresceu a violência quando se comparam os números com outros países da Europa.
Portugal teve o Milagre de Fátima, mas não assistiu a este outro: a descriminação das drogas não provocou uma diminuição no consumo e no tráfico de drogas. Aconteceu o contrário: o tráfico cresceu. Ora, se há demanda, alguém tem de cuidar da oferta, certo? Ou os fraudadores da lógica pretendem fraudar também a lei de mercado?
Se a descriminação das drogas e do aborto induzisse a sociedade a consumir menos drogas e a praticar menos abortos, por que, então, a descriminação de outros crimes, do homicídio à pedofilia, não provocaria o mesmo efeito? Não há resposta para essa pergunta, a não ser uma: essas causas ainda não caíram no radar do pensamento politicamente correto. Se um dia caírem, também essas ocorrências serão objeto dos exercícios falaciosos do pensamento mágico.
A lei não diz que é proibido matar. Ela estabelece uma pena — no Brasil, mixuruca! — para quem mata. A lei não diz que o aborto é proibido. Estabelece uma pena para quem o pratica. Não diz que é proibido consumir drogas. Estabelece uma pena para quem trafica — não para quem consome, o que já é uma estupidez. As penalidades não eliminam nenhuma dessas práticas. Há 50 mil homicídios por ano no país — mata-se mais do que em qualquer guerra, diz-se por aí, e é mesmo verdade.
Se matar deixasse de ser crime e se as penas fossem ainda menores do que são hoje — a progressão permite que um assassino volte às ruas três, quatro, cinco anos depois, já que inexistem estabelecimentos para regime semiaberto no Brasil —, teríamos menos homicídios? Ora…
As penas buscam coibir determinadas práticas — e certamente as coíbem. Jamais as eliminarão porque a decisão de delinquir obedece também a outros comandos. Uma coisa, no entanto, é certa: praticar ou não atos para os quais há ou não há pena depende, num primeiro momento, de escolhas morais. Se esse primeiro crivo não é suficiente para conter o ímpeto, é preciso que o indivíduo avalie se vale a pena correr o risco. Se a possibilidade arcar com as consequências for inferior à de não arcar, tem-se uma sociedade em que o crime compensa. Ai, meu amigo…
Notem: eu acho que o trabalho principal deve, sim, apelar às consciências e à formação moral dos indivíduos, por meio de um estado ético que investisse firmemente na educação e nos respeito às normas democraticamente pactuadas — tudo o que não fazemos por aqui. Mas estou certo de que a eficiência na aplicação de penas para o que é definido como crime nos tiraria da barbárie.
DeriveiMas já avancei e derivei demais. O tema é fascinante. Encerro retomando a questão do aborto. Eu ainda aguardo, no Brasil, uma defesa clara, NÍTIDA, sem subterfúgios e esconderijos, dessa prática; uma defesa que não se amoite, covardemente, no “direito de escolha” da mulher —  como passou a fazer o Conselho Federal de Medicina (de quem eu esperava mais ciência e menos misticismo politicamente correto) — ou no estupro da lógica mais elementar.
Essa gente tem de ter a coragem de tentar provar que o fundamento, por muitos acatado, de que a vida é inviolável é reacionário. Eu continuarei a combatê-la. Mas, ao menos, não estaremos lidando com covardes. Não com covardes intelectuais ao menos…
Por Reinaldo Azevedo

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