segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Dominicanos – os Cães de Guarda da Fé


Dominicanos – os Cães de Guarda da Fé

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dominicano_cao_do_senhorA Ordem dos Irmãos Pregadores foi fundada no ano de 1216. Mas as ideias que estruturam suas origens remontam a 1206. Neste ano, ao passar pela França em uma viagem cujo destino final era a Dinamarca, o Bispo de Osma (Norte da Espanha), era acompanhado por um certo Domingos de Guzmán – a quem eu chamo de “O Cara” - subprior dos monges da catedral de Osma. Nascido em uma família nobre na cidade de Caleruega, em Castela, por volta de 1170, desde de muito jovem este santo dedicou-se ao estudo clerical.
cao_tocha_dominicanoAntes de Domingos nascer, sua mãe, em sonho misterioso, viu um cão que trazia na boca uma tocha acesa, que irradiava luz sobre o mundo inteiro. Esse relato, presente na L.A. – a Legenda Áurea - e consagrado na historiografia de São Domingos, está relacionado com a etimologia do nome: uma denominação comum assumida pelos dominicanos era domini cane, os cães de Deus ou cães a serviço do Senhor.
Embora as datas referentes a nascimento e morte não sejam precisas, quando de sua passagem pelo Sul da França, Domingos tinha cerca de 36 anos de idade. Não fora sua primeira visita à França; três anos antes, em Montpellier, fora alertado pelos legados papais da heresia que “contaminava” a região. Homem de visão, Domingos estudou durante uma década no Studium Generale de Palencia e era conhecido por seus dons retóricos, capacidade nos debates e disputas.
Por ignorância e maldade, principalmente em terras “jesuíticas” como esta nossa Pindorama, o papel destinado a São Domingos pela historiografia tornou-se, injustamente, nojento. Quem me conhece dirá que eu sou suspeito, carrego São Domingos comigo o tempo todo (literalmente, pois já antes de minha conversão eu o amava, e tenho uma tatuagem dele no braço esquerdo), mas com pureza d’alma digo a vocês: São Domingos foi, talvez, a maior vítima da “Inquisição” difamatória perpetrada pela turminha protestante e iluminista.
Já aqui podemos observar um contraste entre a visão mais difundida dos fundadores das Ordens Mendicantes: São Francisco desperta estima e simpatia entre aqueles que chegam a conhecer sua biografia, exemplo de homem que deve ser imitado; em contrapartida, a figura de São Domingos não é capaz de despertar os mesmos sentimentos. Atribui-se a um historiador francês muito do safado, um pós-iluminista chamado Michelet, a propagação de suas características mais negativas através do imaginário geral, ao chamá-lo de “terrível fundador da inquisição”.
Atualmente, seus biógrafos estão empenhados em demonstrar que o Santo de Guzmán tem mais a legar tanto à história quanto à cristandade. Vejamos o que historiador André Vauchez nos diz a respeito da reação de Bispo Diego (personagem que viria a lhe influenciar fortemente pelas suas ideias e objetivos sonhados para propagação da fé católica romana), quando interpelado pelos monges cisterciences, em Montpellier:
“Desencorajados pelo mau acolhimento pelas populações locais, os cistercienses pediram conselho ao Bispo de Osma, que criticou vivamente a amplitude de sua equipagem e o luxo de suas vestes: ‘Não é assim irmãos, que se deve proceder’ – ter-Ihes-ia declarado – ‘pois os hereges mostram as aparências da devoção e dão às gentes o exemplo mentiroso da frugalidade evangélica e da austeridade. Portanto, se expondes maneiras de viver opostas, edificais pouco, destruireis muito e as gentes recusar-se-ão a aderir [à igreja católica]‘”.
Consideramos o texto acima bastante esclarecedor para exemplificar o espírito que anima a ordem dos irmãos pregadores (dominicanos).
Quanto à questão do voto de pobreza, um outro historiador, chamado Hilário Franco Jr., é da seguinte opinião:
“(…), os dominicanos não adotaram uma pobreza tão rigorosa (em comparação aos franciscanos) e envolveram-se mais diretamente na luta contra as heresias, tanto que, a partir de 1231, o papa Gregório IX entregava-Ihes a direção da inquisição.”
Domingos não seria menos apegado à pobreza que Francisco, mas atribui a ela um lugar diferente. A pobreza, para os dominicanos, seria uma arma contra a heresia; em nossa opinião, seria inclusive uma arma que a Igreja aprendeu a forjar observando os hereges cátaros, que ganhavam a simpatia do povo simples justamente por terem uma vida austera (já explicamos isso em outro post). Então, a pobreza dominicana era um instrumento que sequer tinha caráter primordial, uma vez que somente as ordens mendicantes surgidas a partir do século XIII abraçaram-na como ideal de uma vida apostólica, sem que demonstrassem força para levar todo o restante da cristandade oficial ligada ao Vaticano a institucionalizá-la.
sao_domingos_queima_livros_dos_hereges_cataros
S. Domingos ordena a destruição dos livros dos hereges cátaros.
E, poucas décadas após sua fundação, os irmãos pregadores abandonaram os ideais ligados à sua origem no que tange à pobreza. Os críticos dominicanos veem aqui a brecha encontrada para a flexibilização que se verificou posteriormente, para o posterior acúmulo de riquezas, terras e igrejas pelos irmãos pregadores. Eles passaram a investir as doações para o crescimento da ordem, pois acreditavam que assim seriam muito mais úteis para as pessoas e para a Igreja do que vivendo na pindaíba.
Outros fatos marcantes dos primórdios da ordem dominicana dizem respeito ao falecimento do bispo Diego em sua Diocese, em 1207, pouco mais de um ano depois da viagem empreendida à Dinamarca, após fundar em Prouille um centro de missão e uma comunidade feminina dedicada a receber jovens advindas do catarismo (seita herética). Por falar no diabo, em 1208 o monge cisterciense Pierre de Castenau foi assassinado. Esse é o estopim da Cruzada Albigense (por isso que eu gosto de chamar o bispo Diego de Francisco Ferdinando – o arquiduque da Áustria-Hungria, que um bósnio idiota matou em Sarajevo e acabou provocando a primeira grande guerra). Acabara a paciência do papa Inocêncio para com os hereges.
Um discurso atribuído a São Domingos no centro de missão fundado pelo seu mentor, pouco antes do início das hostilidades, mesmo que não se possa afirmar categoricamente sua autoria, indica-nos o ânimo do imaginário às vésperas da Cruzada Albigense:
“Por muitos anos já, tenho-vos entoado palavras de doçura, pregando implorando, chorando. Mas como diz a gente de minha terra, onde a bênção não adianta, a vara prevalecerá. Agora convocaremos contra vós chefes e prelados que, ai de mim, se reunirão contra essa terra… e farão com que muita gente pereça pela espada, arruinarão vossas torres, derrubarão e destruirão vossas muralhas, e vos reduzirão a todos a servidão… a força da vara prevalecerá onde a doçura e as bênçãos não conseguirão realizar nada.”
Quem quer prender e arrebentar faz um discurso desses? As fontes não dão detalhes específicos da participação de Domingos na Cruzada. Afirmam alguns historiadores, e muitos deles pilantras notórios, que o santo foi chamado a julgar suspeitos de catarismo. Passada a tempestade provocada pela Cruzada, em 1214, Domingos dirigi-se a Tolouse, onde estabelece em três casas doadas por cidadãos ricos da cidade (uma delas ainda de pé) as bases da Ordem Dominicana, embora não oficialmente. Isso só ocorreria após os fatos que passamos a narrar.
Em 1215 Domingos, em companhia do bispo Foulques de Tolouse, viajou para Roma a fim de assistir ao IV Concílio de Latrão. Ali ele teria defendido a importância do embasamento teológico em qualquer tipo de pregação. Mas São Domingos estava ali para solicitar a aprovação institucional de sua ordem, que recebeu o título deOrdo Fratum Praedicatorum (Ordem dos Irmãos Pregadores). Preocupou-se Domingos em prestar conta dos rendimentos da mesma; tal atitude deixa ainda mais saliente a intenção de demonstrar que os dominicanos não foram levados para dentro de Igreja, mas desde de sempre foram inclusos nela.
Nesse aspecto, concordamos com a observação de André Vauchez, que considera os dominicanos, em comparação com os Franciscanos, muito mas clássicos, isto é, ligados à tradição eclesiástica católica. Adotaram uma regra preexistente – A Regra de Santo Agostinho – mas suas orientações fundamentais, definidas pelas constituições dominicanas de 1220, repousavam sobre um certo número de instituições, graças às quais a ordem se conectava diretamente com a sociedade da época, o que lhe garantia uma certa tranquilidade para exercitar seus objetivos.
Inocêncio III não viveu para ver o estabelecimento formal da O.P. – Ordem dos Pregadores. Coube ao papa Honório III entregar a Domingos, em 22 de dezembro de 1216, a bula de confirmação dos frades pregadores. O historiador Jacques Le Goff – um dos poucos esquerdões por quem nutro uma certa simpatia – trata da questão referente à adoção da Regra de Santo Agostinho pelos dominicanos como uma estratégia de Domingos para apresentarem-se como cônegos regulares, obviamente numa manobra política para mitigar a resistência do clero regular.
Le Goff ainda classifica como ficção o relato segundo o qual Francisco teria apresentado à Santa Sé um projeto de regra anteriormente ao Concílio (alguns acreditam que os franciscanos tiveram em 1223 uma regra redigida por Francisco após o primeiro projeto, recusado dois anos antes). O tratamento dado à 1ª regra como sendo uma ficção deve-se ao fato que a mesma nunca foi localizada. Porém, sua existência é afirmada pelo próprio Francisco e por São Boaventura, que a mencionam em seus escritos.Chama a atenção que o Concílio de Latrão IV proibira a criação de novas ordens religiosas. Tanto Vauchez quanto Le Goff mencionam esse fato, embora o tratem de maneira diversa. Atentemos para o fato de que a regra franciscana abriu uma exceção ao postulado pelo Concílio, conforme se verifica na historiografia.
Em 1217, os dominicanos dispersaram-se a partir da congregação original de Toulose, quando as tensões no Languedoc chegavam a um limite extremo. A historiografia trabalhada apresenta duas versões para justificar a dispersão: a causa fundamental teria sido a animosidade da população local com os dominicanos originais, ou ainda a ideia de São Domingos de enviar os irmãos pregadores aos grandes centros da cristandade, tendo por meta consagrar o esforço em sua preparação teológica. Esse primeiro movimento dos dominicanos corresponde a um padrão recorrente, afinal, a Ordem dos Pregadores instala-se preferencialmente em grandes cidades bastante importantes. Os franciscanos, por outro lado, preferiam pequenos conventos, localizados em povoações menores.
Em 1220, os pregadores introduzem nas suas instituições a renúncia a toda a propriedade e a todo rendimento. A O.P. abraça a mendicidade para sobreviver. Espalhando-se como uma rede por toda Europa Ocidental, seu valor para Igreja ia além do de catequizadores e pregadores, assumindo as mais diferentes posições dentro da estrutura eclesiástica.
Em 1221, Domingos faleceu em Bolonha, sua causa mortis foi atribuída a uma febre, mas seu estilo de vida aponta para puro esgotamento. A obra que iniciara continuou em marcha; havia cerca de vinte casas dominicanas na França e na Espanha e cerca de 120 dominicanos estudavam teologia em Paris em 1224.
Em 1231, sobe ao trono de Pedro o cardeal Hugolino, doravante denominado Gregório IX. Amigo pessoal de Domingos, entrou para a história como o papa que instituiu a Inquisição, entregando a sua direção aos filhos espirituais de Domingos. Por fim, num dos processos de canonização mais rápidos da história (se não estou enganado, a canonização mais “vapt-vupt” da história foi a de Santo Antônio – 11 meses – bom, mas esse aí era tão amado do Senhor que o bispo de Pádua pediu pra ele parar de fazer milagres porque já tava demais, ahahah), em 1234 Hugolino canonizou o bem-aventurado Domingos.
No próximo post, vamos falar de São Francisco de Assis e de seus filhos espirituais.

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