sábado, 24 de novembro de 2012

EXTRATOS DO BLOG DE MAGNO MARTINS....Reféns da seca XVII

Reféns da seca XVII


“O Nordeste está sofrendo/ Seco sem água e sem planta/ O campina já nem canta/ O gado não está comendo/ As plantas estão morrendo/ Dá vontade de chorar”. Os versos são de Patativa do Assaré, que fez também a Triste Partida, o Boi Fubá e tantas melodias que se imortalizaram. Patativa se inspirava na dor do sertão, olhando o seu chão esturricado, vendo a sua gente perder a batalha contra a natureza.
E como ele, milhares de sertanejos de alma poética vão tirando do chão a sua poesia. A seca, aliás, pode tirar tudo do sertanejo, menos a sua veia poética. Nas terras de São José do Egito, reino encantado da poesia, a maior seca dos últimos 50 anos já arrasou tudo e levou poetas a implorar por uma gota de água com uma cuia no meio da rua.
Em Conceição das Creoulas, Ana Paula e Maria Filha, descendentes de quilombolas, sabem de cor e salteado versos de Patativa, que já se foi, do Louro do Pajeú, esfinge da viola de São José do Egito. E é neles que elas se inspiram, ganham coragem e buscam energia para resistir ao último pau de arara.
Para isso, saíram do mato e ajudadas pela Associação dos Quilombolas, que fez uma parceria com o Governo do Estado, através do programa Inclusão Produtiva, fazem cursos práticos para aprender alguma atividade, como manicure, e buscar uma renda a mais para continuarem seus estudos.
“Queremos estudar, se preparar para um dia sair daqui, ter oportunidade em outro lugar que a gente tenha emprego e veja o muito diferente, de outra forma”, diz Ana, que vive todos os anos a agonia de ouvir os lamentos do pai, de que o sol abrasador devastou tudo, até a última palha do que plantou para dar de sustento à família.


Conceição das Creoulas, onde vivem Ana e Maria, é um pedaço conflituoso do sertão. Ali, quilombola convive, mas não se mistura com índio atikum. Josilane, de uma negritude bela, vive ali a rotina de carregar água de um cacimbão fétido, para dar aos animais e usar nas necessidades domésticas.
Diferente de Ana e Maria, ela não buscou ainda um curso para aprender algo diferente e sair dali para ganhar o mundo, mas também sonha. “Sonho com a terra. A nossa luta aqui é para ter o nosso direito reconhecido, o direito à propriedade da terra, para dela tirar o sustento quanto tiver tempo bom de chuva”, diz.
O pior é que esse tempo bom nunca chega ou tarda a chegar não apenas em Conceição das Creoulas, mas em todos os rincões do semiárido, onde o gado morre, os pássaros já não cantam mais e gente sofre na pele a humilhação por uma esmola que chega num cartão magnético dos programas sociais.

Passada a segunda quinzena do mês, é tempo de agonia para Josefina de Assunção, Arnaldo Pedro e Maria de Lourdes. Agonia que tem hora para começar, mas não tem hora para acabar nas intermináveis filas do recebimento do auxílio social em São José do Egito. Ontem, eles estavam entre as centenas de famílias que chegaram ali as cinco da matina.
E só viram a cor do dinheiro do Bolsa Família, a nova roupagem das frentes de emergência, seis horas depois. O batido para quem depende de qualquer programa social do Governo é assim: penar em longas filas, que dobram o quarteirão, debaixo do sol ardente, sendo tratado feito bicho.

Para não passar por humilhação tão desgraçada, Genário Francisco da Silva, 58 anos, vive do ofício de fazer de forma bem artesanal redes de pesca no Sertão do Pajeú. Em Lagoa Funda, onde mora em terras do município de Iguaracy, vai tecendo, pacientemente, com agulha e nalho o produto do seu trabalho.
Mas a seca também atrapalhou o ganha-pão de Genário. “Com os açudes secos, os peixes morreram e não aparece ninguém mais para comprar minhas redes. Aqui mesmo, havia um açude com muito peixe, mas a gente não encontra mais nem um corró”, lamenta o talhador da pesca.

Num outro sertão conflagrado, o Moxotó, que se confunde com o do Pajeú, pela irmandade em tudo, principalmente no sofrimento, Pedro de Assis, 25 anos, carrega sacas de farelo de soja na cabeça para ganhar R$ 25. Ele mora em Sertânia, terra de caprinos e ovinos, animais mais resistentes às intempéries do sol.
“Dou um duro desgraçado. Nesse sol quente, a sensação é de que a cabeça vai partir ao meio quando chego em casa”, diz, referindo-se as mais de 50 sacas que carregou ontem num descarregamento de farelo para abastecer uma fazenda de gado de corte em Sertânia. Mas Pedro não tem saída.
Diz que, antigamente, os bicos que apareciam eram menos brutais. “A seca escraviza. Quando chove, a gente também sofre na roça, mas é um sofrimento menos sofrido”, desabafa, rangendo os dentes pelo peso do saco de farelo sobre a cabeça.

José Rodrigues Sobrinho, o Zezinho, 58 anos, foi vaqueiro afamado no Sertão do Moxotó. Aprendeu cedo a derrubar o boi na caatinga fechada, a amansar cavalo cismado. Ganhou prêmios em todas as pelejas de gado que disputou não só em Pernambuco, mas em outros Estados, como a Bahia, Ceará, Maranhão e até Minas Gerais.
Zezinho nunca rejeitou desafios em vaquejadas e por isso ganhou fama e respeito durante o seu reinado de maior vaqueiro do Moxotó. Mas como o tempo passa para todo mundo, para o experiente derrubador de gado brabo também passou e hoje vive apenas de recordações daquele tempo bom.
“Eu vivia pelo mundo participando de competições como todo vaqueiro que se preza”, diz. Hoje, Zezinho monta num cavalo diferente, que não tem quatro patas, mas duas rodas e que virou em terras euclidianas a versão moderna do “jumento do sertão”. São as motos. “Troquei o gibão pelo capacete”, brinca.
Zezinho é servidor público, funcionário da Adagro numa fazenda de criação do Governo do Estado em Sertânia, cujo reservatório, que num passado distante era um mar de água, está, hoje, com o agravamento da seca, com apenas 30% das suas reservas.
“Quem, como eu, viu esse açude nos velhos tempos botar água de canto a canto e hoje estar nessa situação dá uma dor profunda no coração, uma amargura. Mas o que se pode fazer? É a seca, a maior, aliás, que já vi em toda minha vida”, diz o ex-vaqueiro e agora motoqueiro dos sertões.

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