sexta-feira, 11 de maio de 2012

"É difícil separar religião e política"‏


  • "É difícil separar religião e política"‏

"É difícil separar religião e política" Qui, 10 de Maio de 2012 09:55
por: cnbb
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)

À frente da arquidiocese de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer cuida
de cerca de 4,5 milhões de almas católicas e cumpre, com afinco,
determinação do papa Bento 16: levar o rebanho a confirmar e
redescobrir sua fé. O trabalho envolve liderar as fileiras de bispos e
outros sacerdotes, mas também garantir a presença da Igreja na mídia e
ocupar espaços públicos - em um campo religioso cada vez mais
competitivo. O cardeal, que participa, no fim de maio, do Encontro
Mundial das Famílias com o papa, em Milão, acaba de passar 10 dias com
300 bispos na Assembleia-Geral da CNBB. Em conversa com a coluna, não
recusou nenhuma pergunta: de eleições ("ajudamos a comunidade a
discernir sobre cada candidato") à recente aprovação de aborto de
anencéfalos pelo Supremo ("uma perda para a sociedade").

A entrevista é de Paula Bonelli e publicada pelo jornal O Estado de S.
Paulo, 30-04-2012.

Aos 62 anos, dom Odilo foi escolado nos corredores do Vaticano e
carrega um blend de sotaques que reúne o original sulista, dialetos em
alemão - falados em sua casa, na infância -, italiano e, agora, uma
pitada de paulistanês. Na entrevista a seguir, ele revela que padres
fazem psicanálise, diz gostar de Chico e Beethoven e explica por que a
Teologia da Libertação, ao que parece, se foi para não mais voltar.

Eis a entrevista.

Qual o lado bom e o lado ruim de ser arcebispo de SP?

É uma enorme graça de Deus. E, sem dúvida, é motivo de muita alegria
receber uma missão tão importante. O lado difícil são os enormes
desafios. A arquidiocese de São Paulo é muito grande, e o volume de
trabalho também. Além de participar de todas as atividades do universo
religioso, é preciso acompanhar a mídia e estar no espaço público e
político, seja pela natureza da Igreja, que represento, seja pela
vontade das pessoas de ouvir o arcebispo em certos momentos.

O que o senhor sentiu ao receber a notícia de que seria nomeado bispo
auxiliar para SP e mais tarde arcebispo?

Eu já tinha 52 anos e trabalhava na Congregação para os Bispos na
Santa Sé, por onde passam as nomeações dos bispos. Portanto, sabia o
que significava e as implicações do serviço. Senti, evidentemente, o
peso da de cisão. No momento em que disse "sim, aceito", senti uma
enorme carga de responsabilidade.

Teve medo?

Medo, não. Mas pensei nas implicações e se daria conta.

O senhor já fez terapia? Padres podem fazer?

Eu nunca fiz, mas padres podem, sim, fazer. Por que não? Em algumas
situações, é até aconselhado.

Conhece casos de padres que fizeram?

Conheço, mas não vou citá-los. O padre é um ser humano. Pode ter
estresse, crise depressiva, disfunção neurológica hereditária, que
provoca problemas psicológicos e comportamentais.

Quando o senhor não está envolvido com as atividades de
cardeal-arcebispo, costuma fazer o quê?

Gosto muito de música popular e erudita. Beethoven, Bach e Brahms.
Também Chico Buarque, Maria Bethânia... da MPB, gosto de vários
cantores. Escuto música quando trabalho, no escritório, enquanto mexo
na papelada. Este é um hábito que aprendi no seminário e que trago
desde menino.

Vai ao cinema?

Pouco, infelizmente. Não dá tempo. Mas gosto de ir.

O senhor viu o filme Habemus Papam (ficção sobre um papa que, ao ser
eleito, não consegue assumir por causa do peso da responsabilidade),
que está em cartaz nos cinemas?

Ainda não. Vou tentar assistir na Itália, no idioma original.

O papa é esperado no Rio para a Jornada da Juventude, em 2013. Qual a
importância do evento?

É muito importante, para que apareça o rosto jovem da Igreja. Para que
interajam e vejam que há muitos outros jovens, inclusive de outros
países, que creem como eles. Também é um momento de se encontrarem com
o papa Bento 16.

Quais são os desafios de realizar este evento?

São muitos, de todo o tipo, de ordem logística. Isso não é fácil em um
evento para o qual se esperam milhões de pessoas. Está mais por conta
da arquidiocese do Rio, que organiza localmente e está trabalhando
duro. Estamos organizando, em âmbito nacional, o envolvimento de toda
a juventude.

Existe a expectativa de um grande público no Rio?

Existe. O Rio de Janeiro atrai por si mesmo, mas não se vai para lá
fazer turismo. A Jornada é momento de viver uma programação intensa,
com várias temáticas, em conjunto, pelos participantes. Isso requer
bastante esforço e até disposição para enfrentar alguns desconfortos.
É evidente que, no fim, por melhor que seja a organização, em algum
momento vai falhar. Não é que todo mundo poderá dormir em hot el de
quatro estrelas, e é inevitável o congestionamento no trânsito, por
exemplo. Mas o pessoal vai na alegria, porque é uma experiência única.

Como manter os jovens envolvidos com o catolicismo e o seu lado erudito?

A Jornada Mundial da Juventude é um modo de despertar isso. Não há
como manter o interesse dos jovens, senão pondo-os em contato. Ninguém
ama o que não conhece. O encontro é para deixar que a juventude faça
suas perguntas, se expresse e perceba também os valores e toda a
história da Igreja. Isso faz com que ela se sinta parte da Igreja e
não a enxergue como algo distante.

Como se adaptar aos novos tempos sem perder a qualidade do catolicismo?

Este é um enorme desafio, que a Igreja enfrenta há dois mil anos.
Estamos vivendo uma virada epocal, semelhante à ocorrida na passagem
da Idade Média para a Idade Moderna, e da Moderna para a
Contemporânea. São momentos em que a Igreja tem de reaprender,
propondo-se de forma nova, mas mantendo-se idêntica a si mesma. É o
que estamos precisando fazer hoje.

A Renovação Carismática é um caminho?

É, mas não o único. Existem muitos outros, bem diversos da Renovação
Carismática.

Como, então, frear a perda de fiéis para igrejas pentecostais?

Não há outro modo, senão ajudando os fiéis a se sentirem fortalecidos
na própria fé e enraizados na Igreja. Mas a ideia que se passa é que
só a Igreja Católica está perdendo fiéis. Outras perdem,
porcentualmente, muito mais. Se vocês olharem o censo de 2000 a 2010,
verão o quanto a Igreja Universal do Reino de Deus perdeu. Hoje, há
uma oferta religiosa muito ampla, e eu diria agressiva. As pessoas, de
alguma forma, estão sob pressão para fazer novas escolhas.

Este é um ano de eleições. Na sua opinião, a religião deve influenciar
a política?

Não sei se a religião deve influenciar a política, mas as convicções
religiosas dos cidadãos repercutem na política. Religião e política
não se fundem, não se sobrepõem, mas é muito difícil separar as duas
coisas.

Qual a orientação da Igreja Católica para o processo eleitoral deste ano?

A mensagem dos bispos é para que o povo se interesse pela participação
política, procure conhecer bem os candidatos. Fiquem atentos à
aplicação da lei 9.840, contra a corrupção eleitoral, o abuso do poder
econômico e a compra de votos. Enfim, estejam atentos para escolher
candidatos idôneos.

A Igreja apoia candidatos?

Não costumamos indicar candidatos, porque é uma questão de escolha
livre e consciente de cada um. Recomendamos, também, que o clero não
tome posição partidária, pois isso cria divisões. Não escolhemos p
artidos nem candidatos. Mas ajudamos a comunidade a discernir sobre
cada um. E possa escolher aqueles sintonizados com nossas convicções -
de justiça social, atendimento das necessidades da população carente,
justiça econômica, promoção do desenvolvimento, respeito à dignidade
da pessoa e moralidade pública.

Na Itália, sede do Vaticano, e em vários países desenvolvidos, o
aborto é legalizado há muitos anos. A Igreja está na contramão da
saúde pública?

A legalização do aborto não é a promoção da saúde pública, mas a
legalização da morte de seres humanos. Se está na contramão de outras
decisões? É possível, mas a Igreja não pode estar na contramão dos
princípios básicos da dignidade humana, proclamados pelas nações, pela
Constituição brasileira, pela ONU. Nem que todos os países aprovassem
a legalização do aborto, a Igreja não poderia aprová-la.

Como o senhor recebeu a aprovação do aborto de anencéfalos pelo STF?

A aprovação não muda a posição da Igreja em relação à questão, que é
de respeito pleno à vida daquele ser humano - ainda que seja muito
breve. Se isso foi tornado legal, não significa que se tornou moral.
Fique claro que não foi a Igreja que perdeu, nem os cristãos, mas a
sociedade brasileira. A humanidade perdeu em sensibilidade, em
respeito à pessoa e ficou mais endurecida em relação às fragilidades e
aos defeitos humanos.

Se não houvesse celibato, haveria mais padres?

Não sei, talvez. É bastante difícil responder a esta pergunta de forma
hipotética. Porém, há um fato: em outras igrejas que não têm celibato,
também faltam ministros. O problema não é o celibato, mas uma coisa
mais profunda, a experiência da fé e o valor da proposta religiosa.

Quais foram e ainda serão as consequências para a Igreja dos casos de
pedofilia? Como o senhor os enxerga?

Não é só um problema da Igreja. Mais de 90% dos casos ocorrem embaixo
do teto familiar. Lamentavelmente, também ocorreram e ocorrem em
ambientes religiosos. Creio que trouxe um grande dano à credibilidade
da Igreja, mas também está trazendo grande purificação. E uma atenção
também da sociedade para a questão.

Como coibir, de forma prática, a pedofilia na Igreja? Palestra? Terapia?

Não é só na Igreja, é na sociedade como um todo. Como é possível
tentar combater isso se, nas escolas, coloca-se camisinha ao alcance
de crianças? São um convite a fazer sexo, a promiscuidade, desde cedo.
A preocupação é combater a aids, mas não se percebe que ali está se
promovendo um monte de outras consequências danosas. Dentro da Igreja,
evidentemente estamos muito atentos em fazer uma nova retomada da
consciência, respeito aos valores morais e da observância dos
mandamentos da Lei de Deus.

A Teologia da Libertação está enfraquecida, mas ainda é lembrada como
uma corrente da Igreja preocupada em abolir as injustiças sociais.

Foi um momento da história da teologia. Ela perdeu suas motivações
próprias, por causa da ideologia marxista de fundo - materialismo
ateu, luta de classes, uso da violência para conquistar objetivos -,
que não casa com a teologia cristã. Isso foi percebido pouco a pouco.
Talvez tenha tido méritos, por ajudar a recobrar a consciência de
questões como justiça social, justiça internacional e a libertação dos
povos oprimidos. Mas estes sempre foram temas constantes do ensino da
Igreja. E vão continuar a ser.

Ainda há muitos padres da Teologia da Libertação?

Não sei se muitos. Ainda existem simpatizantes, mas já não são tantos assim.

Nos seminários brasileiros, ainda há bastantes padres da Teologia da
Libertação lecionando?

Não, não creio.

O senhor poderia ser eleito papa um dia? Pensa nisso?

Não estou imaginando isso, não. Só um será eleito papa e existem
tantos que podem ser escolhidos! É o conclave que decide, não alguém
que se propõe ou que diz "quero ser papa" ou "vote em mim, eu vou ser
papa". Isso não existe. Portanto, não passa pela minha cabeça outra
coisa além de ser arcebispo de São Paulo.

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