sábado, 7 de julho de 2012

CARLOS CHAGAS...MENSAGEM AOS JOVENS JORNALISTAS


MENSAGEM AOS JOVENS JORNALISTAS

Por Carlos Chagas
Existem momentos, raros, na vida de todos nós, em que o tempo  parece interromper-se.

O que era, deixou de ser.

O que será, ainda não é.

O passado terminou e o futuro  não começou.

O presente, assim, adquire as características do eterno.

As formaturas exprimem esses momentos.

Ao entrar neste auditório, vocês deixaram de ser alunos da unb.

Quando saírem, depois de diplomados, serão jornalistas, publicitários, cineastas - enfim, comunicadores sociais.

Importa, então, aproveitar estes instantes eternos para, pela última vez,  em conjunto, praticarmos aquilo que alunos e professor praticaram nos últimos anos.

Vamos continuar questionando.

Vamos cultivar a dúvida.

Vamos erodir as teorias.

Vamos contestar os mitos.

Vamos  implodir os modelos.

Vamos desfazer verdades absolutas.

Porque esta é a função primeira do jornalismo:

Opor os fatos às ilusões.

No exercício de nossa profissão, do princípio ao fim,  nosso trabalho debe ser pautado pela realidade.

É ela o deus que devemos adorar.

As ilusões, as verdades absolutas, os modelos, os mitos e as  teorias, são o demônio que precisamos  exorcizar.

Comecemos pelo nosso próprio mundo, a universidade.

Ao contrário do que muitos pretendem,  a universidade não é uma simpls matriz produtora de mão de obra para a sociedade.

Jamais, apesar  das tentativas, a universidade será reduzida a um forno produtor de pão para o banquete das elites.

É claro que  vocês se prepararam para trabalhar nos jornais, nas revistas, no rádio, na televisão, nas agencias de notícias e nas assessorias de imprensa.

Vocês estão preparados para ingressar nesse estranho universo cibernético de sites, blogs, e-mails, portais e equivalentes.

No entanto, muito mais do que preparados para ganhar salários  nessa variada gama de atividades e de serviços, vocês estão preparados para questioná-los.

Vocês estão em condições de renová-los, reformá-los e até, se preciso for, de revolucioná-los.

Porque uma universidade não é uma instituição destinada a servir aos detentores do poder, seja esse poder político, econômico, sindical, esportivo, artístico ou cultural.

Uma universidade existe para contestar o  mundo á sua volta.

Até para rejeitá-lo, repelí-lo e modificá-lo.

Uma universidade também existe para revolver as entranhas do mundo situado dentro de nós  mesmos.

Significa, uma universidade, um centro permanente de não aceitação de postulados, programas, doutrinas e ideologias de qualquer espécie.

Somos,  por isso, uma fonte inesgotável de resistência ao que acontece à nossa volta.

Um arquipélago de divergências em  meio a um oceano de dúvidas.

Será preciso, assim, de humildade para compartilharmos essa última trincheira de resistência, esse derradeiro refúgio da liberdade.

No ano de 1900, na sordonne, o mais famoso dos  catedráticos de física, o professor lipmann, iniciava sua aula inaugural dizendo-se com dó de seus alunos.

Com pena deles porque haviam decidido estudar física.

Poque a física, dizia o  catedrático, já estava pronta, acabada, definida e empacotada. Nada  mais  haveria a descobrir e a pesquisar.

Pobre professor lipmann, que para sorte dele morreu antes de saber da existência de einstein e da teoria da relatividade, da física quântica e de quanta fascinação veio e continuará a vir.

Não é a oportunidade, agora, mas não resisto à tentação de questionar a mais nova das verdades absolutas, o  mais cruel dos  mitos  de nosso tempo,  a chamada globalização.

Para uns tantos  ingênuos e outro tanto de malandros, globalização significa o fim da história.

Depois da globalização não existe mais  nada.

Argumentam esses patetas a prevalência absoluta do capitalismo, só porque o dinheiro consegue circular de um extremo a outro do planeta em questão de segundos, num digitar de teclas.

Fosse assim e globalizado estava o mundo quando o prmeiro troglodita conseguiu dominar o fogo e  fez com que  sua alfdeia se comunicasse com as outras através de sinais de fumaça, não mais pelos decibéis de sua garganta.

Mas globalizado o mundo não   ficou quando  nossos  ancestrais aprenderam a utilizar o jumento como  meio de transporte?

Ou quando os navegadores descobriram o caminho das índias, levando madeira da espanha para o extremo oriente e de lá trazendo especiarias?

Ou globalizados  não  se sentiram nossos avós quando da invenção do telégrafo?

Quem garante que daqui a cinquenta anos nossos netos  não rirão   de nossas pretensões globalizantes porque eles, sim, estarão globalizados,  trazendo  água de venus e minério de marte?

Mas com  certeza os  netos dos nossos netos rirão deles, porque globalizados aí sim estarão,   ao buscar o elixir da longa vida em andrômeda e cérebros descartáveis na ursa maior.

Já me alongo.

Ainda uma referência à universidade, que nos diz respeito diretamente.  Outro mito a destruir.

Volta e meia ressurge a campanha contra esse canudo que vocês receberão dentro em pouco. A campanha contra  o diploma de jornalista, porque, dizem, o dom de escrever nasce com o indivíduo, não se adquire na universidade.

É a mesma coisa do que permitir ao “seu” manoel, do açougue aqui na esquina, um craque na arte de cortar carne, de tirar costelas e filés, que ele troque o avental pelo jaleco, entre no hospital e vá operar alguém de apendicite.

Ou  imaginar que o camelô da rodoviária, um mestre na palavra, que vende tudo o que apresenta em sua bancada, vista a beca e vá defender uma causa no supremo tribunal.

O dom de escrever faz  o escritor,  e o escritor   não está  proibido de escrever nos jornais. Apenas o fará como colaborador, não como jornalista.

Porque o jornalista não é  nem  melhor  nem pior do que o escritor. Apenas, é diferente.

Além de saber escrever, para exercer a profissão o jornalista necessita saber editar, diagramar, selecionar,  diferenciar estilos e conhecer o  mundo á sua volta, até para questioná-lo.

Precisa, o jornalista, de conhecimentos ordenados de história, geografia, sociologia,  ética e filosofia, entre outros.

As  escolas de jornalismo apresentam falhas e deficiências? Que sejam modificadas, aprimoradas,   melhor   elaboradas. Jamais extintas.

Se estão formando mais professores de jornalismo do que jornalistas,  que se modifiquem seus currículos, mas retirar o sofá da sala para acabar com o adultério, como na  velha piada, trata-se um velhaco raciocínio.

O diploma é essencial, expresso  pelo que vocês representam aqui,  nesta noite: vocês formam um conjunto forjado nos bancos universitários, um conjunto capaz  de lutar pela melhoria de seus padrões de vida, tanto quanto pela liberdade da notícia e pela verdade  da informação.

É isso que incomoda muita gente.

Chegou a hora de dizer adeus. Mesmo aposentado,  é nesta casa que  me abrigo, é para esta casa que volto  nos  momentos permanentes de dúvida.

Afirmo o oposto do que afirmava o professor lipmann. Porque eu invejo vocês.

Vocês enfrentarão desafios e realizarão mudanças muito maiores do que aquelas que tentei realizar e enfrentar.

Não deixo mensagem alguma. Nos anos em que convivemos, espero haver demonstrado que, como vocês, fui e continuo sendo uma fonte permanente de dúvidas.

Ficam apenas algumas exortações:

Rebelem-se contra o preconceito dos que pretendem resumir a vida a um sistema, qualquer que seja esse sistema.

Insurjam-se diante de doutrinas, ideologias ou modelos que apregoam dispor de respostas para todas as perguntas.

Sacudam a poeira da intolerância dos que apresentam o ser humano como mero conjunto químico dotado de inteligência.

Mas, releguem ao lixo da história a afirmação oposta, de que precisamos nos conformar com a injustiça, a fome,  a miséria e o sofrimento para recebermos a recompensa na outra vida.

Levantem-se contra a teoria das ditaduras tanto quanto contra a ditadura das teorias.

Cultivem o senso grave da ordem e o anseio irresistível da liberdade.

Creiam, acima de tudo, no poder da razão, porque da razão  nasce a liberdade, da liberdade a justiça, da justiça o bem comum, e do bem comum o amor.

O amor,  a derradeira oferta do indivíduo à sociedade.

E de um professor aos seus alunos.

Adeus.

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