CATEQUESE - PAPA BENTO XVI
Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
Padre Paulo Ricardo
CATEQUESE - PAPA BENTO XVI
Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013
Queridos irmãos e irmãs,
Hoje, Quarta-Feira de Cinzas,
iniciamos o Tempo litúrgico da Quaresma, 40 dias que nos preparam para a
celebração da Santa Páscoa; é um tempo de particular empenho no nosso caminho
espiritual. O número 40 aparece várias vezes na Sagrada Escritura. Em particular,
como sabemos, isso remete aos quarenta anos no qual o povo de Israel peregrinou
no deserto: um longo período de formação para transformar o povo de Deus, mas
também um longo período no qual a tentação de ser infiel à aliança com o Senhor
estava sempre presente. Quarenta foram também os dias de caminho do profeta
Elias para chegar ao Monte de Deus, Horeb; como também o período que Jesus
passou no deserto antes de iniciar a sua vida pública e onde foi tentado pelo
diabo. Nesta catequese gostaria de concentrar-me propriamente sobre este
momento da vida terrena do Filho de Deus, que leremos no Evangelho do próximo
domingo.
Antes de tudo o deserto, onde Jesus
se retira, é o lugar do silêncio, da pobreza, onde o homem é privado dos apoios
materiais e se encontra diante da pergunta fundamental da existência, é
convidado a ir ao essencial e por isto lhe é mais fácil encontrar Deus. Mas o
deserto é também o lugar da morte, porque onde não tem água não tem vida, e é o
lugar da solidão, em que o homem sente mais intensa a tentação. Jesus vai ao
deserto, e lá é tentado a deixar a vida indicada por Deus Pai para seguir
outras estradas mais fáceis e mundanas (cfr Lc 4,1-13). Assim Ele assume as
nossas tentações, leva consigo a nossa miséria, para vencer o maligno e
abrir-nos o caminho para Deus, o caminho da conversão.
Refletir sobre as tentações às quais
Jesus é submetido no deserto é um convite para cada um de nós a responder a uma
pergunta fundamental: o que conta verdadeiramente na nossa vida? Na primeira
tentação, o diabo propõe a Jesus transformar uma pedra em pão para acabar com a
fome. Jesus responde que o homem vive também de pão, mas não só de pão: sem uma
resposta à fome de verdade, à fome de Deus, o homem não pode ser salvar (cfr
vv. 3-4). Na segunda tentação, o diabo propõe a Jesus o caminho do poder: o
conduz ao alto e lhe oferece o domínio do mundo; mas não é este o caminho de
Deus: Jesus tem bem claro que não é o poder mundano que salva o mundo, mas o
poder da cruz, da humildade, do amor (cfr vv. 5-8). Na terceira tentação, o
diabo propõe a Jesus atirar-se do ponto mais alto do Templo de Jerusalém e
fazer-se salvar por Deus mediante os seus anjos, de cumprir, isso é, algo de
sensacional para colocar à prova o próprio Deus; mas a resposta é que Deus não
é um objeto ao qual impor as nossas condições: é o Senhor de tudo (cfr vv.
9-12). Qual é o núcleo das três tentações que sofre Jesus? É a proposta de
manipular Deus, de usá-Lo para os próprios interesses, para a própria glória e
o próprio sucesso. E também, em sua essência, de colocar a si mesmo no lugar de
Deus, removendo-O da própria existência e fazendo-O parecer supérfluo. Cada um
deveria perguntar-se então: que lugar tem Deus na minha vida? É Ele o Senhor ou
sou eu?
Superar a tentação de submeter Deus a
si e aos próprios interesses ou de colocá-Lo em um canto e converter-se à justa
ordem de prioridade, dar a Deus o primeiro lugar, é um caminho que cada cristão
deve percorrer sempre de novo. “Converter-se”, um convite que escutamos muitas
vezes na Quaresma, significa seguir Jesus de modo que o seu Evangelho seja guia
concreta da vida; significa deixar que Deus nos transforme, parar de pensar que
somos nós os únicos construtores da nossa existência; significa reconhecer que
somos criaturas, que dependemos de Deus, do seu amor, e somente “perdendo” a
nossa vida Nele podemos ganhá-la. Isto exige trabalhar as nossas escolhas à luz
da Palavra de Deus. Hoje não se pode mais ser cristãos como simples
consequência do fato de viver em uma sociedade que tem raízes cristãs: também
quem nasce de uma família cristã e é educado religiosamente deve, a cada dia,
renovar a escolha de ser cristão, dar a Deus o primeiro lugar, diante das
tentações que uma cultura secularizada lhe propõe continuamente, diante ao
juízo crítico de muitos contemporâneos.
As provas às quais a sociedade atual
submete o cristão, na verdade, são tantas, e tocam a vida pessoal e social. Não
é fácil ser fiel ao matrimônio cristão, praticar a misericórdia na vida
cotidiana, dar espaço à oração e ao silêncio interior; não é fácil opor-se
publicamente a escolhas que muitos adotam, como o aborto em caso de gravidez
indesejada, a eutanásia em caso de doenças graves, ou a seleção de embriões
para prevenir doenças hereditárias. A tentação de deixar de lado a própria fé
está sempre presente e a conversão transforma-se uma resposta a Deus que deve
ser confirmada muitas vezes na vida.
Temos como exemplo e estímulo as
grandes conversões como aquela de São Paulo a caminho de Damasco, ou de Santo
Agostinho, mas também na nossa época de eclipses do sentido do sagrado, a graça
de Deus está a serviço e realiza maravilhas na vida de tantas pessoas. O Senhor
não se cansa de bater à porta dos homens em contexto sociais e culturais que
parecem ser engolidos pela secularização, como aconteceu para o russo ortodoxo
Pavel Florenskij. Depois de uma educação completamente agnóstica, a ponto de
demonstrar uma real hostilidade para com os ensinamentos religiosos aprendidos
na escola, o cientista Florenskij encontra-se a exclamar: “Não, não se pode
viver sem Deus!”, e a mudar completamente a sua vida, a ponto de tornar-se
monge.
Penso também na figura de Etty
Hillesum, uma jovem holandesa de origem judia que morreu em Auschwitz.
Inicialmente distante de Deus, descobre-O olhando em profundidade dentro de si
mesma e escreve: “Um poço muito profundo está dentro de mim. E Deus está
naquele poço. Às vezes eu posso alcançá-lo, sempre mais a pedra e a areia o
cobrem: então Deus está sepultado. É preciso de novo que o desenterrem” (Diario,
97). Na sua vida dispersa e inquieta, encontra Deus propriamente em meio à
grande tragédia do século XX, o holocausto. Esta jovem frágil e insatisfeita,
transfigurada pela fé, transforma-se em uma mulher cheia de amor e de paz
interior, capaz de afirmar: “Vivo constantemente em intimidade com Deus”.
A capacidade de contrapor-se às
atrações ideológicas do seu tempo para escolher a busca da verdade e abrir-se à
descoberta da fé é testemunhada por outra mulher do nosso tempo, a
estadunidense Dorothy Day. Em sua autobiografia, confessa abertamente ter caído
na tentação de resolver tudo com a política, aderindo à proposta marxista:
“Queria ir com os manifestantes, ir à prisão, escrever, influenciar os outros e
deixar o meu sonho ao mundo. Quanta ambição e quanta busca de mim mesma havia
nisso tudo!”. O caminho para a fé em um ambiente tão secularizado era
particularmente difícil, mas a própria Graça agiu, como ela mesma destaca: “É
certo que eu ouvi muitas vezes a necessidade de ir à igreja, de ajoelhar-se,
dobrar a cabeça em oração. Um instinto cego, poderia-se dizer, porque eu não
estava consciente da oração. Mas ia, inseria-me na atmosfera de oração...”.
Deus a conduziu a uma consciente adesão à Igreja, em uma vida dedicada aos
despossuídos.
Na nossa época não são poucas as
conversões entendidas como o retorno de quem, depois de uma educação cristã
talvez superficial, afastou-se por anos da fé e depois redescobre Cristo e o
seu Evangelho. No Livro do Apocalipse, lemos: “Eis que estou à porta e bato: se
alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos,
eu com ele e ele comigo” (3, 20). O nosso homem interior deve preparar-se para
ser visitado por Deus, e por isto não deve deixar-se invadir pelas ilusões,
pelas aparências, pelas coisas materiais.
Neste Tempo de Quaresma, no Ano da
Fé, renovemos o nosso empenho no caminho de conversão, para superar a tendência
de fechar-nos em nós mesmos e para dar, em vez disso, espaço a Deus, olhando
com os seus olhos a realidade cotidiana. A alternativa entre o fechamento no
nosso egoísmo e a abertura ao amor de Deus e dos outros, podemos dizer que
corresponde à alternativa das tentações de Jesus: alternativa, isso é, entre
poder humano e amor da Cruz, entre uma redenção vista somente no bem-estar
material e uma redenção como obra de Deus, a quem damos o primado da
existência. Converter-se significa não fechar-se na busca do próprio sucesso,
do próprio prestígio, da própria posição, mas assegurar que a cada dia, nas
pequenas coisas, a verdade, a fé em Deus e o amor tornem-se a coisa mais
importante.
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