A Igreja recorda hoje, em memória facultativa, o Papa
Gregório X, um daqueles homens notáveis da história que tudo parece ter feito
para fazer grandes coisas e, contudo, aparentemente nada do que se propunha
fazer acontecia. Mas nem por isso, depois da sua morte, ocorrida a 10 de
Janeiro de 1276, deixou o povo de proclamar as suas virtudes e clamar pela sua
beatificação. Mas vamos, rapidamente, a alguns dos factos. O Papa Clemente IV
tinha falecido a 29 de Novembro de 1268, sendo que depois de mais de dois anos
(!) de Conclave, reunido na cidade de Viterbo, os cardeais não tinham chegado a
consenso sobre quem poderia ser eleito como novo Papa, situação esta que, sendo
anómala, se explica pela intromissão de duas grandes dinastias europeias, a que
reinava na França e a que reinava no que hoje é a Alemanha, decisivamente
interessadas em controlar a península itálica, sendo que uma e outra facção se
vetavam mutuamente sem cessar. Foi então que São Boaventura, um dos
participantes no indeciso conclave fez uma proposta: eleger como Papa alguém
que não pertencesse ao colégio dos cardeais. E assim foi: no dia 1 de Setembro
de 1271, foi eleito Papa Tedaldo Visconti, homem nascido em Piacenza em 1210,
alguém que nem sequer era sacerdote embora fosse arquidiácono, para além de ter
sido secretário de diversos cardeais e diplomata com uma notável folha de
serviço. No momento da eleição ele nem sequer se encontrava na Europa, mas sim
na Palestina, acompanhando os cruzados, sendo lá que lhe chegou a
extraordinária notícia de que tinha sido escolhido para Papa da Igreja de
Cristo. Meses depois, a 27 de Março de 1272, foi consagrado Bispo e coroado
como Papa, assumindo o nome de Gregório X. De assinalar, porém, é o facto de
que em vez de se deixar submergir nas facciosas lutas do tempo, e que tanto mal
faziam à Igreja, ele abraça um ambicioso plano de acção, do qual fazia parte
não só a libertação da Terra Santa, mas também, ou sobretudo, a promoção da
Unidade entre todos os cristãos tanto do Ocidente como do Oriente. Assim, para
dar seguimento a este seu ambicioso programa, uma das primeiras coisas que o
Papa Gregório X fez foi convocar um novo Concílio Ecuménico para Lião, um em que, para
todos os efeitos, haveriam também de participar representantes da Igreja Ortodoxa. Como
seus teólogos particulares, o Papa Gregório X escolheu São Tomás de Aquino, o
qual faleceu quando a caminho do Concílio, e São Boaventura, que faleceu quando
já em Lião. Escusado dizer que um Concílio em que participassem os iguais de
São Tomás de Aquino e de São Boaventura, dois dos maiores Teólogos de todos os
tempos, não poderia ser senão evento destinado a deixar extraordinária marca
histórica. Mesmo na ausência destes, o Concílio de Lião decretou a reunificação
das Igrejas, mas o plano não teve concretização fática. Fizeram-se igualmente
planos de uma nova cruzada, mas no final das contas nada de bom aconteceu. O Papa
estava mesmo disposto a participar pessoalmente num tal esforço, e contudo
acabou por morrer, como acima dito, quando na sua viagem de regresso a Roma fez
pausa na cidade de Arezzo. Era, como já dito, o dia 10 de Janeiro de 1276,
sendo o Papa já um homem cansado e doente. Curiosamente, será neste contexto,
que pouco depois, como sucessor do sucessor de Gregório X, será eleito como
Papa Pedro Julião, um notável médico e pensador Português natural de Lisboa e
feito Arcebispo de Braga pelo mesmo Beato Gregório X, de quem foi também médico
pessoal desde o tempo que passaram juntos no Concílio de Lião. Numa palavra: em
tempos de crise, diz-nos o exemplo do Beato que hoje se comemora, vale
sobretudo uma coisa: aquilo que se é, tanto mais que o que se tem resta sempre
coisa muito pouca.
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